Sexta-feira, 28 de Março de 2008

The blackness of darkness forever


Não é complicado perceber porque é que 3500 pessoas encheram o Coliseu do Porto para ver uma banda que não dava sinais de vida há dez anos. Os Portishead refizeram a minha história. Ensinaram-me a ouvir música (aquela com M grande), arrancaram-me definitivamente da infância, passaram-me a ferro com o rolo compressor das sensações. Lembro-me de gostar de os ouvir de olhos fechados. E na última quarta-feira dei por mim a fechar os olhos e a recuar uns bons anos na minha vida. Acho que não fui a única.

 

Mas olhar para a primeira passagem dos Portishead pelo nosso país depois do interminável hiato de dez anos como um regresso ao passado é, no mínimo, redutor. Até porque Third vai desiludir muitos dos que já tentaram cravar pregos no caixão da banda de Bristol. É certo que perde muito em emotividade mas ganha em músculo, em força. A quase faroestiana Silence, a cavalgante Mystic (The Rip) e a maquinal We Carry On, que em estúdio são enormes, ao vivo são avassaladoras. Mas, naturalmente, foram os grandes clássicos que levantaram a plateia. Porque ouvir 3500 alminhas a cantar em coro 'Give me a reason to love you' é tão arrepiante hoje como há dez anos.

 

Beth Gibbons, essa, foi igual a sí própria. Aparentemente frágil, alheada, distante, com dificuldade em comunicar para além da música, transforma-se quando agarra o microfone com as duas mãos e solta a voz embargada. Capaz de provocar as maiores ovações quando grita 'A lady of war' em Numb, quando imprime toda aquela densidade de 'film noir' em Only You e quando simplesmente se senta, como se estivesse em casa, para entoar uma versão slow de Wandering Stars. Os anos não passaram para ela. Já em Adrian Utley eles sentem-se. Fisicamente. Com a guitarra continua um virtuoso.

 

Por muito que a falta de ritmo tenha afectado a actuação aqui e ali, foi bom ver-los assim, tão expostos ao erro e a lidar com ele com tanto fairplay. As descoordenações entre Gibbons e Utley ou os problemas de som foram sempre motivo de sorrisos. Sorrisos esses retribuídos pelo público, mais preocupado em ver o lado bom dos filhos pródigos esforçados que voltaram a casa do que a sua desgraça. E a vocalista agradeceu com uma descida à primeira fila e respectiva distribuição de abraços. Os Portishead, afinal de contas, podem estar um pouco enferrujados mas não tarda nada voltarão a ser uma máquina oleada. Até porque o essencial continua lá: aquela capacidade inata de nos arrasar ou nos deixar em êxtase.  No fundo, de nos fazer sentir.

 

* Foto subtraída sem dó nem piedade ao site da Blitz


Lídia Gomes às 22:45
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