Sexta-feira, 26 de Março de 2010

Saber Perder

Acabei agora mesmo o Saber Perder do David Trueba. Li-o no original em castelhano e isso tem mais importancia do que se possa pensar. Não é nenhuma obra-prima. Há figuras de estilo de gosto duvidoso. Situações inverosímeis, talvez. Mas aquelas quatro personagens callejaran ruas que eu calcorreei. Foi como se de repente não estivesse a ler apenas um livro, estivesse a ver tudo com uma mirada sobre os seus ombros carregados, um filme com cores e formas demasiado próximas, com aquela língua que levei na boca durante todo aquele tempo, aqueles bons tempos. A esta distancia ler uma reportagem de ambiente tão certeira sobre a cidade que um dia foi minha é doloroso, muito doloroso. Se calhar a tal inverosimilhança tem um porquê, até aposto que sim. Como que se alí não existissem impossíveis. Existem, claro que existem, mas são um bocadinho menos impossíveis do que aqui. Há que saber perder. Que título tão bem esgalhado, Don Trueba. Este blogue está cada vez mais pessoal, chiça.


Lídia Gomes às 00:30
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Terça-feira, 8 de Setembro de 2009

I can't even spell "Mississippi"

Sou um grande descrente naqueles objectos que consistem numa arte a tentar passar-se por outra. É por essa razão que, por exemplo, o The Tales of Hoffman é de entre os filmes d’Os Arqueiros o que menos aprecio e que creio que os chamados filmes-concerto, além da contradição que lhes está no nome, e mesmo pelas mãos de gente tão recomendável como Scorsese, só podem agradar a quem nunca tenha realmente estado num concerto e não saiba que a melhor emulação é (quase) sempre inferior ao original. Dito isto, ando viciado numa canção que, pelo menos tangencialmente, se inscreve nessa categoria: chama-se The Booklovers, é a terceira faixa do disco Promenade (1994), dos Divine Comedy, e consiste essencialmente num declamar de nomes de escritores, maioritariamente de língua inglesa, cada um seguido de uma pequena frase mais ou menos ligada à sua obra. Há qualquer coisa de poético naquele James Joyce que se segue, sub-repticiamente, ao primeiro refrão, no tão apropriadamente gritado “What do you want from me?” que corresponde ao nome de Franz Kafka ou na forma como o timbre da voz de Neil Hannon vai oscilando quando lista as irmãs Brontë.    


Fábio Jesus às 21:01
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Quarta-feira, 10 de Junho de 2009

Ainda Herzog

[Sobre a cena de ópera no barco em Fitzcarraldo]

Os músicos eram todos peruanos?

Sim. E lembro-me que quando estávamos no barco Kinski teve um dos seus momentos abomináveis e deu-me um pontapé de karaté no peito. Foi um golpe tão inesperado que quase caí, nesse momento nem estava a olhar para ele. Absorvi o pontapé e só mostrei uma pequena irritação, mas o coro inteiro começou a chorar. Disse-lhes: "Estamos aqui para trabalhar, enxuguem as lágrimas, já aconteceram coisas piores, não se preocupem com isto, concentrem-se em cantar".

in Sinais de Vida: Werner Herzog e o Cinema, de Grazia Paganelli

 

Fitzcarraldo foi o filme em que os extras nativos ofereceram-se para matar o demónio Kinski. Herzog considerou e declinou. Ainda precisava do homem para as restantes filmagens.


Fábio Jesus às 19:45
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Sábado, 28 de Março de 2009

Belarmino (2)

Tiveste jeito, como qualquer de nós,
e foste campeão, como qualquer de nós

Que é a poesia mais que o boxe, não me dizes?
Também na poesia não se janta nada,
mas nem por isso somos infelizes.

Campeões com jeito,
é a nossa vocação, nosso trejeito.

Esperam de 1 a 10 que a gente, oxalá, não se levante
- e a gente levanta-se, pois pudera, sempre.


Belarmino:
Quando ao tapete nos levar
a mofina;
tu ficarás sem murro,
eu ficarei sem rima,
pugilista e poeta, campeões com jeito
e amadores da má vida

                                            Alexandre O'Neill


Fábio Jesus às 14:54
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Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2008

À sexta-feira

Já não é a primeira vez que presto vassalagem ao El País das sextas-feiras. A verdade - e desculpando-me já do enfado que possa causar -, é que o impossível é não o fazer. A edição de hoje dedica toda uma página ao centésimo aniversário de Manoel de Oliveira, numa reportagem que acompanha também um dia nas gravações de Singularidades de uma Rapariga Loira, próxima obra do decano. Com chamada de capa, note-se. Mais. À frente, meia página lembrando a morte de António Alçada Baptista. Conclusão: deste lado da fronteira vai-se fazendo mais serviço público pela nossa cultura que muitos pasquins lusos. E mesmo que, às páginas tantas, uma coluna coloque a acção de The Wire em Chicago não há como não perdoar. Até porque isso quer dizer que há uma coluna inteirinha sobre a última temporada da série de David Simon. E isso quer dizer muita coisa.


Lídia Gomes às 21:24
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Sexta-feira, 8 de Agosto de 2008

México

Em On The Road (Jack Kerouac, 1957) Sal e Dean atravessam a fronteira pelo desafio, pelo vício da estrada. Queer (William S. Burroughs, 1951-53) apresenta-nos William Lee, um homem consumido pela droga, pela loucura, fugido da justiça. Andy, Dag e Claire, os protagonistas de Generation X: Tales for an Accelerated Culture (Douglas Coupland, 1991)  fogem de um mundo corporativo, tecnocrata, instrumentalizado. Nesse poço sem fundo que são as caracterizações das diversas generations na literatura norte-americana - quer seja a Beat Generation ou a mais tardia Generation X - há um lugar comum, de redenção, ou um simples subterfúgio: o México. Há outras convergências: sexo, drogas, juventudes mais ou menos desvairadas. Pegando no post anterior, escrevesse Craig Finn um livro e Charlemagne, Holly e Gideon não destoariam de Sal, Dean, Lee, Andy, Dag e Claire. Só lhes falta fugir para o México.


Lídia Gomes às 23:53
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Quinta-feira, 17 de Julho de 2008

Paris/Amesterdão

Quando não se tem carácter, é preciso recorrer a um método. Albert Camus sabia como ninguém ler o inconsciente da acção humana. Do homem moderno cuja vida se resume a fornicar e ler jornais, que pensa ser auto-suficiente mas que está irremediavelmente comprometido com o mundo. Não tendo a clareza - e beleza, também - da construção literária de La Peste ou de L'Étranger, ler La Chute pode ser um exercício de tomada de consciência, uma bola de cristal nem sempre fácil de digerir mas quase sempre reveladora.


Lídia Gomes às 15:29
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Domingo, 13 de Abril de 2008

Ireland loves arts

 


Lídia Gomes às 13:26
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Terça-feira, 15 de Janeiro de 2008

Luiz, o libertino

Confesso: até ao dia da sua morte, a 5 de Janeiro, nunca antes tinha ouvido sequer falar de Luiz Pacheco. Vou tendo agora reminiscências dos seus tempos de colaborador do Público mas sem nunca o ter associado ao autor maldito. Ao que parece, a falha é imperdoável. É que depois de ler esta entrevista, a sua última entrevista, cortesia do Sol e de Ricardo Nabais e Vladimiro Nunes, conhecer a obra de Luiz Pacheco parece-me um imperativo. Dono de uma vida pessoal e amorosa que não lembra ao diabo, é inacreditável como apesar da saúde periclitante, o autor de Exercícios de Estilo ainda analisa com encantadora claridade e perspicácia os meandros da cultura e política portuguesa, não se abstendo de lançar corrosivas "alfinetadas" em algumas das nossas figuras de proa. Isto sempre num estilo muito próprio, descarado, obsceno, sem amarras, sem pudor, mas sempre verdadeiro. Até porque o próprio diz  "Não estou aqui a fazer poses". Pois não mesmo.


Lídia Gomes às 22:51
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Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2007

Taschen



Um pequeno aparte para agradecer à Taschen pelos momentos de deleite que a editora alemã tem vindo a oferecer a fãs de arte em geral e, neste caso, cinéfilos em particular, desde a sua fundação em 1980. Adquiri recentemente um exemplar de Film Noir, de Alain Silver e James Ursini, e o padrão de qualidade a que me habituei pela leitura atenta da colecção Movies Of ou pelo desfolhear dos vários 1000 em livrarias está todo lá, intacto e irresistivelmente convidativo.  Seja pela dimensão superior, pela qualidade do papel, pela beleza e delicadeza na escolha das imagens ou, como não podia deixar de ser, pelos textos, recheados de informação preciosa e personalizada, a verdade é que os livros da Taschen são, no seu próprio direito, autênticas obras de arte.


Fábio Jesus às 21:37
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Domingo, 18 de Março de 2007

Less Than Zero (1985), Bret Easton Ellis

Los Angeles. Época de festas de um qualquer ano da década de 80. Clay regressa a casa por duas semanas depois de um semestre em Camden College, New Hampsire.

Este é o ponto de partida de Less Than Zero, romance de estreia de Bret Easton Ellis (com apenas 20 anos na altura da publicação), um dos autores maiores da chamada Generation X norte-americana. E é exactamente desta geração de jovens nascidos do baby-boom do pós-guerra que Ellis faz um retracto ácido, violento, muito ao estilo "soco no estômago".

Clay é, portanto, uma personagem tipo. Rico, jovem, alienado por um mundo perfeito na aparência mas podre no interior. Com a chegada à Los Angeles volta ao circuito das festas "Berverly Hillsianas", onde proliferam os consumo de drogas e os comportamentos sexuais ambíguos e onde convergem outras personagens: Blair, com quem Clay tem um caso mal resolvido; Julien, auto-destrutivo amigo de Clay que se tornou prostituto e toxicodependente e Trent, outro dos amigos de Clay, modelo, fútil, desprovido de qualquer moral.

Less Than Zero vai acompanhando as relações entre as personagens num mundo amoral, onde os valores tradicionais valem tanto como moedas de escudos e onde o escabroso parece normal. Neste sentido alguns momentos são particularmente chocantes como quando Trent mostra aos amigos um video onde com imagens de violações e mutilações e Clay parece o único incomodado com o conteúdo, quando Clay é obrigado a ver Julien prostituir-se e, a gota de água, quando os seus amigos atam uma jovem de 12 anos a uma cama e a violam repetidamente.

Estes comportamentos extremos, violentos e impunes levados a cabo por um grupo de jovens completamente alienados pela cultura niilista que os envolve, levam Clay a repensar a sua atitude enquanto elemento desse mundo. E tentando salvar o que resta de si e não cair definitivamente no vazio, fica no leitor a ideia de que no final das duas semanas de férias, Clay deixa Los Angeles para talvez não voltar.

Duro e incomodo, Less Than Zero é uma primorosa viagem à excessiva década de 80. De estilo simples e fluído, Bret Eston Ellis não tem medo de utilizar uma linguagem e um visualismo brutal. Contudo ficam por desenvolver algumas personagens como Blair ou o psicanalista do protagonista (mesmo assim, donos de alguns dos melhores diálogos da obra). Erros, no entanto, desculpáveis quando falamos de um romance de estreia e de um jovem autor de apenas 20 anos. 

 

9/10


Lídia Gomes às 22:34
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